Por que os livros de autoajuda fazem sucesso entre as mulheres

 

Por Bruna Burri

Fonte: Revista Bárbara, ed. 8

 

Só em 2006, segundo a Câmara Brasileira do Livro, foram vendidos quase 60 milhões de livros no país. Mas por que as mulheres têm buscado tanto o gênero literário de autoajuda? Conversamos com especialistas para descobrir a resposta e esclarecer se os livros de autoajuda oferecem realmente algum apoio ao público feminino.

 

“Eu tinha acabado de terminar mais um namoro. Era o terceiro que chegava ao fim em dois anos. Foi quando comprei o primeiro livro: 'O que Toda Mulher Inteligente Deve Saber'", conta a administradora de empresas Carolina Oliveira, de 28 anos. Foi assim que começou o gosto dela por obras deste tipo.

 

Depois de três relacionamentos fracassados, Carolina passou a comprar todos os livros que via pela frente. O primeiro, dos autores norte-americanos Steven Carter e Julia Sokol – publicado no Brasil pela editora Sextante – caiu como uma luva para ela, pois tratava a questão da autoestima nos relacionamentos amorosos. “Eu estava me sentindo péssima. Me culpava pelo fracasso de todos os namoros e achava que nunca seria feliz ao lado de alguém”, relembra.

 

Assim como Carolina, diversas mulheres encontram nesses livros orientações para momentos difíceis como uma separação. É o que explica a psicóloga Ana Lucia Ribeiro, do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo: “As mulheres, em geral, são mais suscetíveis aos livros de autoajuda e buscam na leitura um caminho diferente daquele que elas vêm percorrendo. É como a mulher que acaba de se separar – contra a vontade, porque ainda ama o marido ou porque não estava preparada para vivenciar a separação – e, em um momento de desespero, procura uma cartomante para ouvir que o marido vai voltar”.

 

Para Ana Lucia, os livros oferecem o mesmo efeito que a revelação da “vidente”, pois tornam a realidade mais suportável e apresentam uma saída momentânea para aquele sofrimento. “Em geral, os livros de autoajuda oferecem soluções paliativas, por isso são tão procurados. E ainda são mais baratos e acessíveis do que uma sessão de terapia”, acrescenta a psicóloga.

 

"Por que os Homens Amam as Mulheres Poderosas?", da também norte-americana Sherry Argov é a mais nova aquisição de Carolina Oliveira. Com a promessa de ajudar as mulheres a darem uma guinada em suas vidas amorosas, a obra, lançada no Brasil ano passado, já lidera a lista dos mais vendidos do gênero.

 

 

O que buscamos?

 

O público feminino lê muito mais do que o masculino, seja por prazer ou por gosto. No Brasil, elas representam 55% dos leitores. Já o gosto pelo gênero de autoajuda reflete o momento atual da mulher, pois oferece conselhos ligados à espiritualidade, ao amor e à felicidade de forma franca e amigável em uma sociedade que ainda é tipicamente machista e individualista.

 

Para Francisco Rüdiger, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e autor do livro "Literatura de Auto-ajuda e Individualismo" (EditoraUFRGS), o sucesso deste gênero de livros precisa ser entendido dentro de um contexto histórico e cultural em que as mulheres estão inseridas. “Vivemos na era do individualismo. Em que, com o passar do tempo, as pessoas vão se dando conta de que só podem contar consigo próprias e com suas experiências. Isso se explica por que as principais instituições estão enfraquecidas, como a Igreja, por exemplo. O Estado e a política já não geram mais confiança. A economia está cada vez mais competitiva. As pessoas, mais egoístas e desconfiadas, principalmente em relação ao próximo. E a família, que sempre foi o principal alicerce, inserida nesse contexto, está se fragmentando”, explica.

 

Para o médico-psiquiatra Roberto Shinyashiki, autor de diversos best-sellers como "Amar Pode Dar Certo" (Editora Gente) – que já vendeu mais de cinco milhões de cópias – o boom do gênero se dá pela forma como as pessoas estão se relacionando. “Antigamente as mulheres casavam e buscavam apenas respeito em suas casas. No mais, tinham que suportar a união, mesmo que não quisessem. Foi quando elas decidiram que não queriam mais viver assim e partiram em busca de realizações pessoais como o sucesso na carreira profissional. Nesse momento, começaram a surgir novos questionamentos. O problema é que elas já não tinham mais as respostas”.


O psiquiatra acredita que, com a entrada no mercado de trabalho, as mulheres conquistaram a independência financeira, mas passaram também a buscar um desenvolvimento emocional e espiritual. “O mundo é outro. As pessoas antes se relacionavam com amigos ou com pessoas próximas à família. Hoje, os casais se conhecem nas redes sociais, por exemplo”, explica.

 

Roberto conta, ainda, que não foram só os livros de autoajuda que cresceram. As capas das principais revistas semanais hoje, por exemplo, trazem assuntos ligados à autoajuda, seja ao abordar temas como qualidade de vida ou questões ligadas ao sucesso profissional.

 

O novo lançamento do autor, "A Coragem de Confiar" (Editora Gente), aborda suas experiências pessoais com a espiritualidade. Dessa vez, Roberto ressalta que, além de acreditar em você mesmo e no outro, é preciso crer em Deus para superar os medos e dar a volta por cima.


Autoajuda e espiritualidade

 

Foi exatamente a busca pela espiritualidade nos livros que tirou a designer de interiores Valéria Constanzi, de 63 anos, da depressão. “O meu filho estava em Londres durante os ataques de 11 de setembro. Eu fiquei muito preocupada com ele e acabei entrando em depressão”. Com a doença, vieram as tonturas e as febres noturnas. “Foi só quando ele voltou ao Brasil que eu comecei a procurar ajuda”, relembra.
 

 

Valéria conta que encontrou em livros espiritualistas e de autoajuda respostas e estímulos para levantar sua autoestima e sair do estado de tristeza em que se encontrava. Mas ela avisa: “Não foi só na literatura que encontrei a solução para os meus problemas. Os livros foram uma parte do tratamento. Eu fui fazer terapia, assistir a palestras e busquei na religião e na palavra de Deus muita luz”.

 

Da experiência com os livros, a designer de interiores, mãe de quatro filhos, encontrou em "O Segredo" – sucesso de vendas no mundo todo, escrito por Rhonda Byrn e publicado no Brasil pela editora Ediouro – o poder do pensamento positivo. “Se eu levantar de manhã e sorrir para você, você vai sorrir para mim. Se eu achar que não sei de nada, as pessoas também vão achar isso de mim”, avalia.

 

Em "O Segredo Colocado em Prática", de Michael Losier, Valéria diz que aprendeu uma valiosa lição de casa. “O livro me ensinou a colocar as coisas no papel e deixá-las mais claras. Tudo aquilo que eu quero e o que eu não quero ficam mais fixos na minha cabeça quando escrevo”, explica. Além disso, Valéria conta que o principal ensinamento que aprendeu com esse tipo de livro foi refletir sobre seus erros. “Se estou errando ao agir dessa forma, então vou procurar mudar para acertar”.

 

Autocrítica ajuda

 

“É preciso levar os leitores a um estado de reflexão sobre o tema e não oferecer soluções prontas”, explica Roberto Shinyashiki, que acredita ser essa a principal função dos livros de autoajuda: “Não adianta dar fórmulas prontas, pois o que é solução para uma pessoa pode não ser para outra”.

 

O autor esclarece, ainda, que hoje existem dois problemas críticos nesses livros. O primeiro é quem está escrevendo. “95% dos livros hoje são escritos por pessoas que não estudaram psicologia e não possuem o conhecimento específico para falar com propriedade sobre determinados assuntos. O sujeito é fisioterapeuta, passa por um momento de superação na vida e vai escrever um livro. E então cai no erro clássico do: 'você pode tudo com superação, dedicação, confiança e trabalho duro'”, revela Roberto.

 

Para o autor, essa fórmula batida é o segundo erro grave que derruba os livros de autoajuda, pois a receita é sempre a mesma. Foi o que aconteceu com Tatiane Juidicce, de 26 anos, ao ler "O Segredo". “É muito complicado pensar sempre positivo, principalmente quando você está extremamente triste”, conta a analista de marketing, que, apesar da dificuldade apontada, sempre gostou dessas obras.

 

Ela cita, por exemplo, que foi lendo "Nunca Desista de Seus Sonhos", de Augusto Cury (Editora Sextante) que se recuperou de uma crise emocional depois de se separar. “Com a leitura, você acaba colocando sua história dentro de cada página. Foi assim que passei a acreditar mais em mim e a olhar mais para os meus sonhos”, afirma.

 

Não é como fazer bolo

 

O fato de alguns livros oferecerem fórmulas prontas é uma das principais críticas às obras de autoajuda. Especialistas defendem que leituras assim fazem com que as pessoas deixem de tomar decisões por conta própria. Além disso, apresentam soluções aos problemas ignorando impedimentos externos como se o indivíduo fosse o único responsável pelo seu destino. Essa premissa acaba gerando frustração e infelicidade.

 

Para Francisco Rüdiger, as mulheres vão procurar esses livros, geralmente, porque estão mal ou com algum problema que não conseguem resolver. “E o livro vai dizer que essa pessoa é capaz e que pode tudo. É uma massagem no ego que elevará a autoestima naquele momento. Uma solução temporária. Dura o tempo em que ela estiver lendo o livro”, afirma.

 

Mas o professor da PUC-RJ lembra ainda que é ilusório pensar que um livro vai efetivamente fazer bem ou mal à pessoa que o lê e que não tem nenhuma pesquisa capaz de precisar se o gênero ajuda ou atrapalha. “Em alguns casos ela ajuda, em outros atrapalha, mas eu acredito que na maioria das vezes não faz diferença alguma. Serve apenas como distração”, conclui.

 

Que os livros de autoajuda fazem sucesso não há dúvida. Basta ver a lista dos mais vendidos nos principais portais da Internet ou entrar em qualquer livraria e olhar para as vitrines. Eles estarão lá, expostos na primeira fila. E é exatamente por ser esse fenômeno de consumo que sua eficácia é tão questionada. De um lado, há quem ame e relate transformações efetivas que só foram possíveis por causa dos livros. Do outro, quem odeie e aponte esse tipo de obra como sendo fraca e sem conteúdo.

 

Uma coisa é fato: esses livros oferecem uma boa oportunidade de autoconhecimento e podem servir como um “conforto” que cabe na bolsa, entre a nécessaire, o celular e a agenda de compromissos. Afinal, não dá para levar a psicóloga ou a melhor amiga para todos os lugares.

 

Dica: o bom livro de autoajuda é aquele que te leva a refletir sobre o seu modo de encarar a vida e seus princípios, servindo como alento nos momentos de dificuldade e motivação para te levar a uma vida melhor. Outro detalhe que vale a pena saber antes de comprar um exemplar é que, assim como as terapias tradicionais, as transformações sugeridas pelos livros demandam tempo e esforço para acontecer. É a velha premissa: “Ninguém muda da noite para o dia”.